FIDUCIA SUPPLICANS E O AMOR DE UM DEUS TODO AMOROSO APONTADO POR FRANCISCO
Fiducia
Supplicans é um documento evolucionário e revolucionário na história da Igreja
Católica. Este documento instrutivo é a base fundamental para reconstruir
parâmetros que foram se perdendo desde que um jovem galileu esteve por aqui
falando com uma samaritana e trocando águas com ela, ou perdoando prostitutas
que perambulavam pelas ruas de Jerusalém ou ainda quando uma destas mulheres
lhe lava os pés com lágrimas e os secava com seus próprios cabelos. A esta,
Jesus disse que sua fé a salvou.
É algo surreal
ver gente cristã não entender que os que cometem pecados e têm a coragem de
pedir uma benção devam ser acolhidos, apoiados e abençoados. Isso nada tem a
ver com justificar ou apoiar o que se chama de imoralidade, pecado ou qualquer
outra coisa nesse sentido. Aqui reside uma chave para compreender esta proposta
do Dicastério para a Doutrina da Fé.
O Papa Francisco
é um sujeito incrível. Certamente o mais importante líder espiritual do mundo
na atualidade. Fiducia Supplicans desmascara a hipocrisia de muitos e tira do
comodismo a outra parcela. Neste documento que, definitivamente, não é um
documento que queira trazer um novo catecismo ou mudança em qualquer um dos
parâmetros litúrgicos ou sacramental no que se refere à Doutrina da Igreja
Católica. Quem diz isso das três alternativas, é uma: Ou não leu o documento:
(98%), leu e não entendeu (1%) ou leu, entendeu, mas seu apego ao poder
clerical é maior que o amor ao Evangelho (1%). São estes últimos que Jesus
chama de Sepulcros Caiados.
Assim o
documento não lido por expressiva maioria daqueles que o criticam, abre com
este texto:
“No entanto, o
valor deste documento é oferecer uma contribuição específica e inovadora ao
significado pastoral das bênçãos, que permite ampliar e enriquecer a
compreensão clássica das bênçãos intimamente ligada a uma perspectiva
litúrgica. Tal reflexão teológica, baseada na visão pastoral do Papa Francisco,
implica um verdadeiro desenvolvimento do que foi dito sobre as bênçãos no
Magistério e nos textos oficiais da Igreja. Isto explica porque o texto assumiu
a forma de uma 'Declaração'.
E é precisamente
neste contexto que se pode compreender a possibilidade de abençoar os casais em
situação irregular e os casais do mesmo sexo, sem validar oficialmente o seu
estatuto ou alterar de forma alguma o ensinamento perene da Igreja sobre o
Matrimônio.
Esta Declaração
quer ser também uma homenagem ao Povo fiel de Deus, que adora o Senhor com
tantos gestos de profunda confiança na sua misericórdia e que, com esta
atitude, vem constantemente pedir uma bênção à Mãe Igreja." (Cardeal
Víctor Manuel Fernández, prefeito).
Três são as
condições para que o cristianismo seja reconhecido nas suas particularidades e
peculiaridades e em sua proposta de espiritualidade.
1) O
reconhecimento do pecado cometido, sem que isso signifique condenação, sem
antes oferecer a oportunidade da experiência da misericórdia de Deus,
2) o perdão que
é oferecido a toda e qualquer pessoa que assim o queira acessar e
3) a bênção:
esta última, um dom gratuito de Deus, que não estabelece troca nem imposição
condicionante para obtê-la. Estes pontos podem parecer antagônicos, mas são
eles os que geram o necessário caminho para alcançar a proposta trazida por
Jesus Cristo.
Nesse sentido,
Jesus, provocava seus seguidores com uma questão sempre desconcertante: O que é
mais difícil fazer? Parar de pecar, perdoar o pecador ou abençoar aqueles que
pecam em detrimento daqueles que supostamente não pecam? As respostas falam
mais sobre quem responde do que aquele que perguntou.
Se a resposta
para a pergunta sobre o que é mais difícil fazer for: “Parar de pecar”, então,
abre-se um horizonte onde a proposta cristã entra como a luz do sol nas frestas
de um telhado ou pela janela que abrimos todas as manhãs. Não há outra forma de
contato aprofundado com Jesus se não for se auto reconhecendo como pessoa
necessitada do amor de Deus, em razão das limitações próprias que todos nós
temos com relação a algum tema. Então, parar de pecar soa como algo que beira o
impossível. Quanto mais próximo de Deus, mais nos "auto reconhecemos"
como pecadores. Quem não compreender isso, não compreenderá também o
significado do amor sem medida por parte de Deus para conosco e em Sua
magnífica capacidade de perdoar sem limites.
Caso a mesma
pergunta seja respondida com um: “Perdoar o pecador”, então, a questão a ser
explicada não está mais na limitação do outro que é reconhecidamente um pecador
por quem o observa e sim a própria incapacidade daquele que se autodenomina
cristão em assimilar a proposta cristã de perdoar sem medida. No caso dos
seguidores de Jesus, a receita é explícita: Perdoar 70x7. Tendo como parâmetro
que o número sete é uma referência para infinitamente (Mateus 18-21-22).
21. Então, Pedro
se aproximou dele e disse: “Senhor, quantas vezes devo perdoar a meu irmão,
quando ele pecar contra mim? Até sete vezes?” 22. Respondeu Jesus: “Não te digo
até sete vezes, mas até setenta vezes sete" (Mt 18).
Não há meios de
ser um cristão completo e abrir uma única exceção que seja para não perdoar!
Este é o cerne, a base, o fundamento e a razão pela qual a existência da
espiritualidade cristã existe. É a diferença entre todas as outras
religiosidades e espiritualidades. Quanto mais se permite a proposta cristã de
libertação penetrar no coração, mais fácil se torna exercitar este fundamento,
quanto mais se impõe a própria vontade e visão de mundo, mais distante se torna
de apresentar Jesus Cristo e a opção preferencial pelos pobres e desvalidos. O
perdão é o último ato de Jesus em sua peregrinação na terra e também sua última
instrução para seus seguidores, conforme descrito no Evangelho de São João,
Capítulo 13, 34-35.
34. Dou-vos um
novo mandamento: Amai-vos uns aos outros. Como eu vos tenho amado, assim também
vós deveis amar-vos uns aos outros. 35. Nisso todos conhecerão que sois meus
discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo 13).
Mas continuando
a estudar a proposta de Papa Francisco para a Igreja Católica: A pergunta é
sobre o que é mais difícil fazer e a última resposta é a que o documento
Fiducia Supplicans busca refletir e nos provoca a responder: E aqui reside a
surpresa: Não se trata sequer de perdão e de avaliação sobre o pecado de quem
quer que seja. É anterior a isso.
Papa Francisco
quer apenas falar sobre abençoar toda e qualquer pessoa que busque o conforto
da acolhida de Deus e tenha na Igreja Católica o caminho para encontrar esta
benção. Abençoar aqueles e aquelas que independentemente de sua condição
sexual, matrimonial, socioeconômica, religiosa, de origem, raça, etnia ou
qualquer outra que seja. O documento apenas instruí algo que sequer deveria ser
instruído.
Para um cristão,
abençoar deve ser interpretado como algo instintivo. Algo que já está acoplado
ao DNA. Não se adquire, se nasce ao ser batizado em nome do Pai, do Filho e do
Espírito Santo! Está no batismo e a partir dele, a bênção é algo intrínseco ao ser
cristão, uma vez livre do pecado original, a bênção está infinitamente
oferecida conforme documento Fiducia Supplicans parágrafo 21
“…O Papa
Francisco exortou-nos a contemplar, com uma atitude de fé e de misericórdia
paterna, o fato de que quando você pede uma bênção, você está expressando um
pedido de ajuda para Deus, uma oração para poder viver melhor, uma confiança
num Pai que pode nos ajudar a viver melhor. Este pedido deve ser, em todos os
sentidos, valorizado, acompanhado e recebido com gratidão. As pessoas que vêm
espontaneamente pedir uma bênção mostram com este pedido a sua sincera abertura
à transcendência, a confiança do seu coração que não depende apenas das suas
próprias forças, a sua necessidade de Deus e o desejo de escapar às medidas
estreitas deste mundo trancado. dentro dos seus limites.”
Desta forma,
como é que alguém que se diz seguidor do Mestre de Nazaré possa ser contra a
qualquer pessoa, seja ela homossexual ou celibatário, casais de segunda união
ou qualquer outra condição conjugal, como por exemplo, os não casados na
Igreja, recebam uma bênção. É dado a um cristão ou cristã o poder de negar um
pedido de benção a quem lhe pedir? A benção é dom pessoal ou dom de Deus?
Quando o próprio
Jesus perdoa a prostituta que estava sendo levada para a condenação à morte,
evitando que a mesma fosse apedrejada, Jesus estava justificando a imoralidade?
Não. O que Ele fez foi mostrar compaixão e uma forma de abençoar e perdoar que
era muito diferente do proposto pela religião oficial (João 8,15-16).
"15. Vós
julgais segundo a aparência; eu não julgo ninguém. 16. E, se julgo, o meu
julgamento é conforme a verdade, porque não estou sozinho, mas comigo está o
Pai que me enviou" (Jo 8).
Assim o
documento Fiducia Supplicans alerta em parágrafo 25:
“A Igreja também
deve evitar apoiar a sua práxis pastoral na rigidez de alguns esquemas
doutrinais ou disciplinares, especialmente quando estes dão origem a um
elitismo narcisista e autoritário, onde em vez de evangelizar o que se faz é
analisar e classificar para os outros, e em vez de facilitar o acesso à graça,
gasta-se energia no controle. Portanto, quando as pessoas invocam uma bênção,
não devem ser submetidas a uma análise moral exaustiva como pré-condição para
que ela seja concedida. Não se deve pedir-lhes perfeição moral prévia.”
Se não fosse
assim, como é que Jesus poderia agir diante da prostituta condenada à morte por
apedrejamento e como ela poderia ter sido salva? Jesus escrevendo no chão
diante dos acusadores morais daquela mulher não lembra muitos de nós, quando
buscamos a condenação ao invés do perdão e por consequência, o acesso à benção
que é dom gratuito de Deus? Quem nos nomeou tutores ou reguladores do amor de
Deus para com seus filhos e filhas?
Deste modo, Papa
Francisco nos exorta a pensar e modificar o ponto de vista de proprietários
exclusivos do amor de Deus: Fiducia Supplicans, parágrafo 27:
"Na
catequese citada no início desta Declaração, o Papa Francisco propôs uma
descrição deste tipo de bênçãos que são oferecidas a todos, sem pedir nada.
Vale a pena ler com o coração aberto estas palavras que nos ajudam a abraçar o
sentido pastoral das bênçãos oferecidas sem condições: 'É Deus quem abençoa.
Nas primeiras páginas da Bíblia há uma repetição contínua de bênçãos. Deus
abençoa, mas os homens também abençoam, e logo se descobre que a bênção tem uma
força especial, que acompanha quem a recebe por toda a vida, e dispõe o coração
do homem a deixar-se mudar por Deus […]. Assim, para Deus somos mais
importantes que todos os pecados que podemos cometer, porque Ele é pai, é mãe,
é puro amor, nos abençoou para sempre. E ele nunca deixará de nos abençoar. Uma
experiência intensa é ler estes textos bíblicos de bênção numa prisão, ou num
centro de desintoxicação. Fazei com que estas pessoas sintam que permanecem
abençoadas apesar dos seus graves erros, que o Pai celeste continua a querer o
seu bem e espera que finalmente se abram ao bem. Se até os parentes mais
próximos os abandonaram, porque já os julgam irrecuperáveis, para Deus serão
sempre filhos'".
É tão claro e
coerente com o Evangelho esta orientação sobre a bênção que só não enxerga quem
não quer. Não se trata de inovação litúrgica, nem mesmo abertura sacramental do
matrimônio. Longe disso. Todos os sacramentos, particularmente o sacramento do
matrimônio continua como sempre foi e isso não será mudado. O que se orienta é
que uma pessoa ou casal, que venha por motivo qualquer pedir que sua vida seja
abençoada, que esteja aflito e necessitado de acolhida, isso não lhe seja
negado. Por isso, é explícita na orientação da carta.
É curioso que se
esta orientação fosse feita para abençoar objetos inanimados, isso não causaria
dúvidas! Abençoamos casas, chaves, carros, espaços públicos e privados.
Abençoamos animais e estruturas materiais de toda natureza, inclusive laicas,
no sentido de que não tem religião oficial e isso não causa estupor. Nem
deveria!
Então, como é
que se aceita com naturalidade que se abençoe um bem material, e não compreenda
abençoar um filho de Deus? Ou se acredita que um bem material é mais importante
aos olhos de Deus do que um casal em situação irregular? Existem inclusive
aqueles que aceitam sem nenhuma vergonha que se “abençoe” uma arma de fogo,
cujo último e único objetivo é matar e em sua ampla maioria, são os mesmos que
se dizem escandalizados em abençoar um ser humano, criatura maior e mais amada
por Deus em razão de sua condição de casal irregular.
É por isso que
na Declaração Fiducia Supplicans: sobre o significado pastoral das bênçãos está
explícita a orientação sobre estas bençãos com as ressalvas e diferenciação
entre a benção (dom gratuito de Deus) e os sacramentos: Só não entende quem não
quer: Fiducia Supplicans, parágrafo 36:
"Neste
sentido, é fundamental acolher a preocupação do Papa, para que estas bênçãos
não ritualizadas não deixem de ser um simples gesto que constitui um meio
eficaz para aumentar a confiança em Deus nas pessoas que as pedem, evitando-as
da conversão em ato litúrgico ou semilitúrgico, semelhante a um sacramento.
Isto constituiria um grave empobrecimento, porque submeteria um gesto de grande
valor na piedade popular a um controle excessivo, que privaria os ministros da
liberdade e da espontaneidade no acompanhamento da vida das pessoas".
Então, ao
contrário do que querem fazer crer os filhos da divisão e dos maus desejos,
estamos diante de um significativo e eficaz avanço no processo da acolhida do
pecador, sem que isso seja visto como acolhimento do pecado por parte da Igreja
Católica. A isso devemos render Graças a Deus.
Assim, seja para
casais em situação irregular, seja para aqueles cuja soberba, orgulho e
espírito de punição sem misericórdia, ambos devem ser abençoados e vistos como
pessoas com limitações próprias humanas, sendo que os primeiros, não fazem mal
a ninguém, o mesmo no entanto, não pode ser dito quanto aos segundo grupo. A
estes, quando solicitadas, nas mesmas condições em razão do reconhecimento da
necessidade receber as bênçãos (dom Gratuito de Deus), sempre que a angústia, a
dor e o pedido de bênçãos sincero seja feito, cada qual à sua maneira e
condição, conforme Fiducia Supplicans, parágrafo 43.
“Assim, a Igreja
é sacramento do amor infinito de Deus. Portanto, quando a relação com Deus está
obscurecida pelo pecado, você sempre pode pedir uma bênção, voltando-se para
Ele, como fez Pedro na tempestade quando clamou a Jesus: 'Senhor, salva-me' (Mt
14,30). Em algumas situações, desejar e receber uma bênção pode ser o bem
possível. O Papa Francisco recorda-nos que “um pequeno passo, no meio de
grandes limites humanos, pode agradar mais a Deus do que a vida exteriormente
correta de quem passa os seus dias sem enfrentar dificuldades importantes”.
Desta forma, 'o que resplandece é a beleza do amor salvífico de Deus
manifestado em Jesus Cristo morto e ressuscitado'”.
Diante desta
reflexão, me pus a pensar: Posso eu, enquanto cristão deixar de oferecer uma
bênção a alguém que me peça em razão do pecado (do ponto de vista de minha religiosidade)
cometido? Quem sou eu para avaliar o pecado alheio? Posso enquanto cristão
deixar de abençoar a vida e a criação mais magnífica de Deus? Enquanto pensava
nisso, me dirigi a um salão de cabeleireiro no meio da tarde.
Assim, fui
cortar meu cabelo e ali comecei a conversar com o cabelereiro (heterossexual,
casado e ateu). E ele me dizia da dificuldade de acreditar em Deus por não
entender como tudo poderia ser criado por Deus e nesta grandiosidade da
criação, a mais importante de todas que somos nós, ser observado coisas simples
como ver seus seguidores odiando o bem mais precioso que este mesmo Deus criou,
que segundo nós mesmos.
Então, me
lembrei de Padre Francisco de Aquino e disse ao meu amigo, que o erro maior dos
cristãos é buscar um Deus Todo Poderoso, quando Deus não precisa ser poderoso,
pois Tudo que foi criado, já é Dele, logo, este “Poder” é algo intrínseco ao
homem e não à Deus, deste modo, Deus não precisa ser todo poderoso, mas
simplesmente Todo Amoroso. Deus não é poder, Deus é Amor.
O cabeleireiro
me respondeu… Isso faz sentido para mim. Eu disse: “pra mim também”. Me
despedi, abençoei-o e vim pra casa escrever este texto.
Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/636068-fiducia-supplicans-e-o-amor-de-um-deus-todo-amoroso-apontado-por-papa-francisco-artigo-de-toninho-kalunga
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