SEXTA JORNADA: DO AFASTAMENTO À APROXIMAÇÃO
(Em preparação ao aniversário de sua morte - 1º de Dezembro)
SEXTA JORNADA
DO AFASTAMENTO À APROXIMAÇÃO
Vestindo a túnica
branca com o coração e a cruz no peito, Charles de Foucauld pega o navio rumo a
Marselha e a Alger numa viagem que o conduzirá para longe de tudo, o mais longe
possível: esquecer seu passado, seu nome, sua profissão, suas amizades, deixando
sua família, sua casa, seus bens, seu país. Tudo isso para seguir seu Senhor,
para estar só com ele, para encontrá-lo onde ele- Carlos -está, no último lugar
para oferecer-Lhe o maior sacrifício, o da separação.
Nessa direção ele
rapidamente passou a valorizar, de modo absoluto, motivações antes de tudo
negativas: renúncia, separação, desprezo à criação, negação de si mesmo a ponto
de se destruir e se odiar, tudo para estar só com Jesus.
Mas logo tomou
consciência de que “estar com Jesus” era “fazer o que Jesus quer de mim”. A
partir desse momento, manifestou-se uma vontade de ir em direção aos homens, de
se tornar próximo deles, estabelecer relação, tomar contato, criar vínculos.
Era um novo modo de enterrar-se, não mais como aquele com que ele sonhava em
Nazaré, mas o enterrar-se com um povo.
Era um querer-se
“pequeno e abordável”. Era ser irmão, não pai, daqueles de quem queria se
tornar próximo. Era estudar uma língua, ligar-se às pessoas por laços de
amizade, de afeição. A palavra chave de toda essa diligência era “relação”.
Todos com quem se
encontraria, de uma maneira ou de outra, contribuiriam para humanizar o homem
que, até então, tendia a se tornar um super-homem em seus excessos de
ascetismo. Esse processo de humanização se dava bem no sentido da encarnação de
Deus ao se fazer cada vez mais próximo dos homens por intermédio da humanidade
de Jesus.
No contexto acima
podemos entender a devoção à Eucaristia de irmão Carlos.
Na linha do Concílio de Trento, ele aí vê
essencialmente o sacramento da Presença, tornando possível o “estar com”. A
partir de sua conversão na igreja de Santo Agostinho, pode-se dizer que ele foi
colocado na presença de Deus, em relação com Ele. Esse culto da Presença não
seria de início o da Presença de Deus na alma..., mas seria sobretudo a
Presença de Jesus no sacramento. Jesus está aí, como uma presença local...
assim, o objetivo é estar com Jesus, fazer-lhe companhia, estar o mais perto
possível... Um aspecto da Eucaristia para irmão Carlos é a lembrança do
sacrifico de Jesus, a torná-lo sempre presente em nossa vida. Sofrimento
oferecido em união com os sofrimentos de Jesus. Mas era ainda para “estar com
Ele” primeiramente em suas dores, em seu sofrimento.
O movimento de
aproximação para “ir em direção aos outros” nos conduz a um outro aspecto da
Eucaristia, que é compartilhamento, refeição feita em conjunto, banquete
oferecido aos outros. A partir do momento em que houve consciência de ser
servidor da Eucaristia, era preciso levá-la àqueles que não conheciam esse
dom.... Tratava-se de estabelecer tabernáculos em lugares cada vez mais
distantes, visão que evoluiria. Uma vez que se visse com um tabernáculo vazio,
ele ainda assim permaneceria, tendo então a oferecer aos outros, no tocante à
presença eucarística, apenas a sua presença, vida oferecida, vida exposta.
O ano de 1901
assinala uma orientação nova, uma mudança de direção. Daí por diante, ele já
não sonharia com a “solidão com Jesus apenas” em seu eremitério, mas, desejando
ter companheiros, suportaria viver só em meio àqueles por quem fazer alguma
coisa era fazer isso a Jesus.
Irmão Carlos
passaria a não mais se ocupar com uma perfeição ideal, impossível, mas se
deixar moldar pelo Espírito, ao sabor dos acontecimentos e dos encontros. Isso
o levaria a esquecer- se de si... Em vez de meditar sobre o esquecimento de si,
ele faria o que Deus quisesse para ele, no presente, ainda que isso lhe
parecesse contrário àquilo que ele chamava de “sua vocação”. O padre Huvelin
não deixaria de encorajá-lo nesse sentido:
“Meu caro amigo,
meu filho. Suporte-se! Mantenha-se humilde, paciente para consigo mesmo, menos
preocupado em livrar-se do sono do que da inquietação e dessa inquieta busca do
melhor, que o atormenta. Mantenha-se calmo para receber as graças de Deus e, caso
conserve dentro de si raiva de si mesmo, que seja uma raiva tranquila como água
profunda”.
Essa carta faz
pensar naquilo que escreveu Bernanos no Diário
de um pároco de aldeia: “Odiar-se é mais fácil do que julgamos; a graça é
esquecer-se. Mas se todo orgulho estivesse morto em nós, a graça das graças
seria amar humildemente a si mesmo, como a qualquer dos membros sofredores de
Jesus Cristo”.
Ao entrar no
mosteiro trapista tinha rompido relações com os amigos. No entanto, já em Nossa
Senhora das Neves, as circunstâncias o obriga a restabelecer o contato com eles
e, a partir de então, já não temia manter relações de amizade, cheias de calor
humano, com quem viesse a encontrar. ... qualquer que fosse a pessoa a quem ele
se dirigisse, era sempre o mesmo homem que escrevia, e com o mesmo senso da
relação humana.
(...)
Ele interrompera
toda correspondência com a maioria dos amigos por amor a Deus. Retomou-a,
porém, “para nos ajudar mutuamente a passar de modo santo os poucos anos que
nos restam de vida, para nos auxiliar a viver e morrer no Coração de Jesus”.
(Carta ao Doutor Balthazar)
Ao chegar a Beni
Abbés, procuraria ainda se esconder, mas logo haveria de fazer o possível para
dar a conhecer o que fazia ali (...) passaria até a não mais ocultar seu nome
nem seu passado. Pode-se observar isso na evolução de sua assinatura. A partir
de 1911, ele assinava “fr. Ch. De Foucauld”; a partir de 1913, somente “Ch de
Foucauld” ou “Charles”, ou até mesmo “Ch” nas cartas para os mais íntimos.
Em carta escrita a
seu amigo Louis Massignon em 1911 irmão Carlos escreve:
Se consegui fazer
algum bem, se pude me estabelecer no Saara, é que, em busca de Jesus, fui
oficial e viajei ao Marrocos. Deus prepara as coisas de longe e faz serem úteis
para a salvação das almas, os bons, os maus e os atos realizados pensando bem
pouco Nele.
Se, por um lado, isso o impedia de correr para o último lugar, com qual sempre sonhava e que arrumaria a seu gosto, por outro, obrigava-o a aceitar o lugar que Deus lhe dava. O que é admirável é que nesse lugar ele se portou como humilde servidor, e isso não escapou a seus contemporâneos. (Antoine Chatelard, Charles de Foucauld o caminho rumo a Tamanrasset. Ed.Paulinas 2009, pg. 137-145).
1. Meditação da manhã
“Vejo muita gente, levo uma vida que não é variada, nem agitada, nem dissipada, mas animada por visitas contínuas; batem à minha porta muito mais do que à de vocês: pobres, escravos e hospedes... todos os dias temos hóspedes para comer, para dormir, para jantar, sem contar com um velho enfermo permanente...” (cartas aos irmãos da trapa).
2. Meditação do meio dia
“Que sua universal e fraterna caridade brilhe como um farol, que ninguém, ignore, num raio de longa distância, que eles são os amigos universais, os irmãos universais... que a fraternidade deles é um porto, um asilo onde todo ser humano, sobretudo se é pobre ou infeliz, é fraternalmente convidado, desejado e recebido...” (Obras espirituais).
3. Meditação da tarde
“Quero acostumar todos os habitantes, cristãos, muçulmanos, judeus... a me enxergarem como irmão deles, o irmão universal... Eles estão começando a chamar a casa de ‘a fraternidade’, o que muito me agrada” (Carta à sra. de Bondy).
4. Momento de adoração
“É o acordo, a união, o amor fraternal que Jesus indica como a nota para aqueles que se reconhecem seus discípulos” (Pensamentos e máximas).
5. Meditação da noite
“Não
estou aqui para converter os Tuaregues, mas sim, esforçar-me em compreendê-los... Estou
convencido de que Deus, em sua bondade, acolherá no céu aos que nesta terra
foram bons, honrados, sem necessidade de serem católicos romano. Você é
protestante, T. não crê, os tuaregues são muçulmanos, estou convencido de que
Deus nos receberá a todos sem que o mereçamos...” (Carta a Lehureaux))
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