ACEITAR AS DIFERENÇAS
Charles de Foucauld escreveu a Louis Massignon em 1 de agosto de 1916, seis meses antes de sua morte: “as palavras que mais me comoveram e mudaram radicalmente a minha vida são estas: todas as vezes que vocês fizeram isso a um destes meus irmãos menores, foi a mim que vocês fizeram” (Mt. 25,40). Esta meditação parece ser o pilar do seu caminho em direção "à aceitação da diferença do outro". Ele vê o mesmo jesus em cada pessoa, o que não é fácil, pois exige uma grande decisão, uma vontade inabalável e oração contínua.
O Irmão Carlos
reflete em seus escritos espirituais: “gostaria que todos os habitantes,
cristãos, muçulmanos, judeus ou pagãos, se acostumassem a ver em mim um irmão
universal”. Em carta à Maria Bondy, escrita em 7 de janeiro de 1902 ele se
expressa assim: “Que bonito! Estão começando a chamar a minha casa de “fraternidade”
e estão começando a perceber que os pobres encontram ali um irmão; e não
somente os pobres, mas também todos os outros”. Meditando sobre essas duas
ideias, percebemos fortemente que nenhum obstáculo se interpõe no caminho de
caridade do Irmão Carlos. Ele não tem medo dos outros porque são diferentes,
por causa de sua religião, suas crenças ou sua situação social. Com o irmão Carlos,
a aceitação das diferenças atinge seu ápice: significa amar de forma universal
e buscar a união total com os outros.
O irmão Carlos
escreveu no seu regulamento dos Irmãozinhos do Sagrado Coração de Jesus, essa
associação que tanto sonhava, “que os irmãozinhos acolhessem àqueles que
batessem à sua porta, os visitantes, os pobres e doentes”. É um reflexo do fato
de que para ele aceitar o outro implica uma predisposição permanente para
acolher sem cessar e em todas as circunstâncias.
Nas
páginas, nas orientações e conselhos de ordem geral e particular que escreveu
ao seu amigo Mussa, líder dos tuaregues, Carlos dizia: “a primeira obrigação é
amar a Deus de todo coração e sobre todas as coisas, e a segunda é amar a todos
os homens como a si mesmo”; “pelo amor ao próximo aplica-se a lei da
fraternidade, da igualdade e da liberdade”. Para o Irmão Carlos, acolher o
outro e viver em fraternidade como ele é, no fundo, uma forma de igualdade, de
amor sincero e livre ao próximo. Não sou melhor, nem mais importante que o
outro, e se aceito amar, faço-o livremente, não por obrigação, mas porque Jesus
me pede, confio na sua palavra e creio nela.
Numa época
em que se dizia repetidamente que “não há salvação fora da igreja”, ele foi
contra a corrente quando escreveu a um amigo protestante: “não estou aqui para
guiar os tuaregues, mas para tentar entendê-los. Tenho certeza de que o Senhor
acolherá no céu todos aqueles que levaram uma vida de piedade, sem
necessariamente serem católicos ou latinos. Você é protestante, outro é
descrente, os tuaregues são muçulmanos e estou convencido de que Deus nos
acolherá a todos se o merecemos...”. Esta ideia poderosa nos mostra que aceitar as diferenças para o Irmão
Carlos, é sinônimo de respeito à sua humanidade e a norma é a boa conduta desta
ou daquela pessoa. Quem poderia confirmar que a identidade cristã torna uma
pessoa mais importante que as outras? Por meio desta carta, o Irmão Carlos nos
lembra o que o Senhor disse: “não julgueis, e não sereis julgados”, porque Deus
é o único juiz.
Uma carta
a Henri Du Ferier, um amigo ateu ele diz: “não preciso lhe dizer que nunca o
esquecerei...todo homem é filho de Deus, portanto é impossível amar e desejar o
amor de Deus sem amar os homens ou desejar amá-los. Nós amamos os homens tanto
quanto amamos a Deus...”. Nesta carta, o Irmão Carlos parece ser um homem que
ama, que compreende e que é corajoso; ele aceita seu amigo ateu, o ama e
respeita sem renunciar às suas convicções. Ele não renuncia ao que o diferencia
do amigo ateu para conquistar seu amor e amizade, mas permanece quem é e aceita
o outro como ele é.
Para o Irmão
Carlos, acolher aos outros é um caminho que pode levar à salvação das almas.
Como? Em suas meditações, o Irmão Carlos diz: “o que devemos fazer se quisermos
trabalhar para a salvação das almas é sair ao seu encontro, misturar-nos com
elas, viver com elas, estabelecer relações sérias com elas...”. Isto poderia
ser alcançado em todas as dimensões das relações humanas sem aceitar a
diferença dos outros? Encontramos respostas ao explorar esse conceito nas
orientações que ele ofereceu aos membros da fraternidade dos irmãozinhos e irmãzinhas
do Sagrado Coração: o que deve ser visto no homem, seja ele bom ou mau, é que
toda pessoa merece salvação. Que eles sejam tudo em todos, que sejam amigos
universais de todos para que possam se tornar redentores universais.
Quando
terminou de ler o livro de seu amigo Henri de Castries sobre o islamismo, ele
lhe escreveu: “agradeço seu desejo de revelar a realidade muçulmana e libertar
o povo do peso das lendas que ouvimos todos os dias. Não me surpreende, neste
caso, as falsas opiniões que os muçulmanos têm sobre a nossa religião, já que a
maioria de nós inventa histórias sobre as suas crenças...”. Aqui o irmão Carlos
parece-nos um grande profeta: quando se coloca perante a importância da relação
entre muçulmanos e cristãos e no caminho da retificação. Para ele, os cristãos
rejeitam os muçulmanos toda vez que estes os olham com um olhar cheio de
preconceito e desprovidos de vontade de entender a realidade dos outros.
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