ACEITAR AS DIFERENÇAS

 Por: Fidaa Boutros, Fraternidade de Beirute, Líbano (publicado no Boletim Internacional da Fraternidade Secular nº71)

 

Charles de Foucauld escreveu a Louis Massignon em 1 de agosto de 1916, seis meses antes de sua morte: “as palavras que mais me comoveram e mudaram radicalmente a minha vida são estas: todas as vezes que vocês fizeram isso a um destes meus irmãos menores, foi a mim que vocês fizeram” (Mt. 25,40). Esta meditação parece ser o pilar do seu caminho em direção "à aceitação da diferença do outro". Ele vê o mesmo jesus em cada pessoa, o que não é fácil, pois exige uma grande decisão, uma vontade inabalável e oração contínua.

 

O Irmão Carlos reflete em seus escritos espirituais: “gostaria que todos os habitantes, cristãos, muçulmanos, judeus ou pagãos, se acostumassem a ver em mim um irmão universal”. Em carta à Maria Bondy, escrita em 7 de janeiro de 1902 ele se expressa assim: “Que bonito! Estão começando a chamar a minha casa de “fraternidade” e estão começando a perceber que os pobres encontram ali um irmão; e não somente os pobres, mas também todos os outros”. Meditando sobre essas duas ideias, percebemos fortemente que nenhum obstáculo se interpõe no caminho de caridade do Irmão Carlos. Ele não tem medo dos outros porque são diferentes, por causa de sua religião, suas crenças ou sua situação social. Com o irmão Carlos, a aceitação das diferenças atinge seu ápice: significa amar de forma universal e buscar a união total com os outros.

 

O irmão Carlos escreveu no seu regulamento dos Irmãozinhos do Sagrado Coração de Jesus, essa associação que tanto sonhava, “que os irmãozinhos acolhessem àqueles que batessem à sua porta, os visitantes, os pobres e doentes”. É um reflexo do fato de que para ele aceitar o outro implica uma predisposição permanente para acolher sem cessar e em todas as circunstâncias.

 

Nas páginas, nas orientações e conselhos de ordem geral e particular que escreveu ao seu amigo Mussa, líder dos tuaregues, Carlos dizia: “a primeira obrigação é amar a Deus de todo coração e sobre todas as coisas, e a segunda é amar a todos os homens como a si mesmo”; “pelo amor ao próximo aplica-se a lei da fraternidade, da igualdade e da liberdade”. Para o Irmão Carlos, acolher o outro e viver em fraternidade como ele é, no fundo, uma forma de igualdade, de amor sincero e livre ao próximo. Não sou melhor, nem mais importante que o outro, e se aceito amar, faço-o livremente, não por obrigação, mas porque Jesus me pede, confio na sua palavra e creio nela.

 

Numa época em que se dizia repetidamente que “não há salvação fora da igreja”, ele foi contra a corrente quando escreveu a um amigo protestante: “não estou aqui para guiar os tuaregues, mas para tentar entendê-los. Tenho certeza de que o Senhor acolherá no céu todos aqueles que levaram uma vida de piedade, sem necessariamente serem católicos ou latinos. Você é protestante, outro é descrente, os tuaregues são muçulmanos e estou convencido de que Deus nos acolherá a todos se o merecemos...”. Esta ideia poderosa  nos mostra que aceitar as diferenças para o Irmão Carlos, é sinônimo de respeito à sua humanidade e a norma é a boa conduta desta ou daquela pessoa. Quem poderia confirmar que a identidade cristã torna uma pessoa mais importante que as outras? Por meio desta carta, o Irmão Carlos nos lembra o que o Senhor disse: “não julgueis, e não sereis julgados”, porque Deus é o único juiz.

 

Uma carta a Henri Du Ferier, um amigo ateu ele diz: “não preciso lhe dizer que nunca o esquecerei...todo homem é filho de Deus, portanto é impossível amar e desejar o amor de Deus sem amar os homens ou desejar amá-los. Nós amamos os homens tanto quanto amamos a Deus...”. Nesta carta, o Irmão Carlos parece ser um homem que ama, que compreende e que é corajoso; ele aceita seu amigo ateu, o ama e respeita sem renunciar às suas convicções. Ele não renuncia ao que o diferencia do amigo ateu para conquistar seu amor e amizade, mas permanece quem é e aceita o outro como ele é.


Para o Irmão Carlos, acolher aos outros é um caminho que pode levar à salvação das almas. Como? Em suas meditações, o Irmão Carlos diz: “o que devemos fazer se quisermos trabalhar para a salvação das almas é sair ao seu encontro, misturar-nos com elas, viver com elas, estabelecer relações sérias com elas...”. Isto poderia ser alcançado em todas as dimensões das relações humanas sem aceitar a diferença dos outros? Encontramos respostas ao explorar esse conceito nas orientações que ele ofereceu aos membros da fraternidade dos irmãozinhos e irmãzinhas do Sagrado Coração: o que deve ser visto no homem, seja ele bom ou mau, é que toda pessoa merece salvação. Que eles sejam tudo em todos, que sejam amigos universais de todos para que possam se tornar redentores universais.

 

Quando terminou de ler o livro de seu amigo Henri de Castries sobre o islamismo, ele lhe escreveu: “agradeço seu desejo de revelar a realidade muçulmana e libertar o povo do peso das lendas que ouvimos todos os dias. Não me surpreende, neste caso, as falsas opiniões que os muçulmanos têm sobre a nossa religião, já que a maioria de nós inventa histórias sobre as suas crenças...”. Aqui o irmão Carlos parece-nos um grande profeta: quando se coloca perante a importância da relação entre muçulmanos e cristãos e no caminho da retificação. Para ele, os cristãos rejeitam os muçulmanos toda vez que estes os olham com um olhar cheio de preconceito e desprovidos de vontade de entender a realidade dos outros.

 

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