A importância do Deserto
Comunidade Horeb
Introdução
Existe uma força única e criadora que unifica as pessoas, a natureza e a arte e que são um impulso comum. Uma das características do Ocidente em seu culto ao bem estar está na solidão do ser humano considerado como mera criatura mortal em que lhe é negado outras dimensões que não a temporal. Ao perder o sentido da transcendência se massifica perdendo também sua intimidade e originalidade. Hoje, mais que em outros momentos necessitamos “ir ao deserto”, isto é, “fazer silêncio em nós” para escutar os apelos de Deus e dar-se conta do tremendo paradoxo de que na solidão se encontra a PRESENÇA-COMUNHÃO que gera uma maravilhosa fertilidade fruto do impulso criador do Amor.
O Deserto na Bíblia, lugar da manifestação de Javé
Deus falou no Sinai. Falou com Moisés cara a cara como um amigo fala com outro amigo. Deus poderia falar em outro lugar mas escolheu o deserto. Assim, na tradição judaico-cristã o lugar onde Deus fala chama-se DESERTO. Por isto Jesus vai ao deserto quando se retira a um lugar solitário para orar ao Pai, ou quando sobe o Tabor. Não se trata do deserto físico com sua areia e suas rochas. O deserto existe onde alguém se dispõe a escutar a Palavra de Deus no mais profundo de seu coração. O que se deduz é que cada qual tem que encontrar seu PROPRIO DESERTO, em plena cidade, na prisão, no hospital, nos lugares e situações de sofrimento e dificuldade, no cotidiano e ordinário da vida.
Na Bíblia Deus aparece a Moisés na sarça que arde sem se consumir e fala-lhe a partir dali (Ex 3). Não temos de imaginar Moisés vendo o Senhor com seus olhos ou ouvindo com seus ouvidos. É uma maneira de dizer que Moisés, durante um momento luminoso, sentiu, no fundo de seu coração a presença de um Outro que lhe confidencia e lhe dá uma missão. Tal experiência se impôs com uma evidência deslumbrante, fulgurante. Quem recebe uma revelação como esta não conseguirá comunica-la por mais que queira. O certo é que Moisés se deixou capturar por Deus e sua vida virou de cabeça para baixo. Como um fogo, Javé irrompe na vida de Moisés consumindo- por inteiro sem no entanto sacrificar sua liberdade ou suprimir sua personalidade.
A partir do encontro com o Senhor, a amizade com Ele ocupará na vida de Moisés um lugar central; será sua própria mística. “Moisés falava com Deus cara a cara como é a conversa entre amigos (Ex 33,11) A intimidade de Moisés com Deus é absolutamente real. Se lamenta com Deus, discute com Ele, manifesta-Lhe suas frustrações, intercede pelo povo... Só os amigos íntimos falam desta maneira. Se Moisés viu Javé cara a cara mas na obscuridade, viu através da fé. Pela fé nos encontramos com Deus cara a cara. A fé é visão do Deus que se esconde. Assim como o morcego cai cego pela intensa luz do Sol nós também caímos cegos pela intensa luz de Deus. A mente vai muito mais além daquilo que se vê com os olhos, mais além do que se vê com a imaginação, mais além ainda de toda a compreensão e raciocínio até “enxergar” Deus na obscuridade.
Em meio a sua ação profética Elias foge como um covarde ante a perseguição da rainha Jezabel. Sobe o Sinai como que atraído por um misteriosos encontro com Deus mas somente depois de ter atravessado a “noite escura” dos místicos. Em sua caminhada para o deserto, Elias experimenta a tentação que abate as pessoas a quem Deus encarrega de uma missão importante: a tentação do desanimo. Acaba de fugir das ameaças de uma mulher que adora ídolos. Ele, que até pouco tempo atrás pretendia conduzir Israel ao encontro do Deus verdadeiro. Sua vida já não tem mais nenhum sentido. Se encosta e dorme profundamente com o desejo de não mais acordar para ver o outro dia. Se Deus consente ao ser humano tocar profundamente em sua fragilidade, nem por isso o abandona. No meio do deserto, esgotado, faminto e com sede, Elias é sacudido de sua letargia por uma mão desconhecida que o livra do desespero e da morte oferecendo-lhe um bocado de pão e uma vasilha de água. Aquele gesto recorda a Elias os cuidados e a benevolência de Deus com seu povo na travessia do deserto depois da saída do Egito. Em meio às dificuldades da caminhada Javé alimenta o Seu povo com o maná e o sacia com água extraída da rocha. Elias come e bebe sustentado por aquele alimento que o reanima em sua jornada.
O Sinai representava para os hebreus a habitação mais autêntica do verdadeiro Deus, Javé. Era superior a Arca da Aliança e ao Templo de Jerusalém construído para guardá-la. Elias escala as beiradas da montanha e entra naquelas fenda da pedra onde a tradição dizia que Moisés se escondia ao passar a “glória de Deus”. Se repete então a mesma teofania ou manifestação divina: a tempestade e o tremor de terra, sinais exteriores de que Deus é o criador do mundo e senhor das forças cósmicas. Mas, por mais impressionado que esteja, Elias, acuado, encolhido no buraco da rocha compreende que Deus não está no furacão, nos raios e relâmpagos nem no tremor da terra, pois Javé não pode ser confundido com sua criação, é distinto dela. Elias, o precursor dos “homens e mulheres de Deus”, sabe que o Senhor fala e se comunica na intimidade dos corações. Depois da fúria do furacão vem o murmúrio de uma brisa leve. Chega a hora das confidências como no Éden, em que Deus passeava com Adão e Eva na brisa da tarde. Elias recebe, no profundo de seu coração novo ânimo para realizar sua missão e regressar a seu país.
Moisés e Elias no Sinai são símbolos da teofania- manifestação de Javé. Nos relatos do evangelho, na transfiguração, Jesus também se revela na montanha a três de seus discípulos: Pedro, Tiago e João. Os três são testemunhas de uma teofania: a glória divina que estava presente em Jesus se revela diante de seus olhos rodeado por Moisés e Elias. (Lc 9, 28-36; Mt 17,1-13; Mc 9, 2-13). Por que eles? Porque são os dois personagens para quem Deus manifestou sua glória. Moisés concluiu a aliança, Elias a restaurou. Em Jesus realiza-se a nova aliança.
Deserto: desejar a visita de Deus
Para ir ao deserto é necessário crer que Deus vem ao nosso encontro na oração. De nossa parte o desejo confiante e a alegre. A passagem pelo deserto nos recordar a necessidade de perseverar na espera. Espera de coração humilde, não nos apoiar em demasia em nós mesmos, aceitar a ausência de consolações sensíveis e a austeridade desta forma de encontro com Deus, pois se o Espírito nos visita, o faz no silencioso, no imperceptível, no despojado mas que nos inundará de paz visto que nada podemos sem ter perdido de vista nós mesmos. Elias estava encolhido no interior da rocha e com o rosto coberto com sua capa quando ouviu Deus passar no hálito de uma brisa perceptível levemente.
O tempo de deserto deve portanto contar com uma espécie de jejum espiritual: em troca dos recursos habituais a pobreza de meios; a frequência da conversação pelo emudecimento, o fazer, pela ausência de objetivos, a avidez por leituras espirituais pela atenção amorosa à Palavra de Deus.
Da mesma forma é necessário um esforço para esquecer as preocupações, os deveres, o trabalho até mesmo a busca da perfeição pessoal ou a busca da oração. O deserto não é o lugar de uma revisão de vida embora a prepare.
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